A resposta veio logo nas primeiras páginas: sim, e talvez ainda mais potente.
A gente tende a romantizar o passado, não é mesmo? Mas Follett nos dá um choque de realidade. Ele nos transporta para a Inglaterra do século XII, um período conhecido como “A Anarquia”, uma guerra civil brutal pela coroa que dilacerou o país. E o autor não poupa o leitor. Lembro-me vividamente da primeira batalha de espadas narrada no livro. Não há nenhuma firula ou coreografia de cinema. O relato é seco, o aço morde a carne e o resultado é que um dos guerreiros simplesmente… perde o braço. É um impacto imediato que define o tom. Mas o realismo de Follett vai além da violência. Uma das coisas que achei mais notáveis é a forma como ele descreve os detalhes do cotidiano: das roupas, incluindo as peças íntimas e precárias que as mulheres usavam, até as comidas servidas nos banquetes e nas cidades pobres. A riqueza de detalhes era tanta que, por diversas vezes, me dava até fome só de ler. Esse nível de detalhe nos lembra que a Idade Média era um lugar de lama e sangue, sim, mas também de sabores, texturas e uma luta diária pela dignidade.
No coração dessa turbulência toda, um sonho floresce: a construção de uma catedral gótica em Kingsbridge. E aqui está a genialidade de Follett. A catedral não é apenas um cenário; ela é a personagem principal, o fio que conecta dezenas de vidas ao longo de décadas. Enquanto o mestre-construtor Tom sonha em erguer arcos que toquem os céus, vemos a própria arquitetura evoluir, saindo do estilo românico, mais pesado e sombrio, para o gótico, com suas janelas imensas que inundam o ambiente de luz. É uma metáfora perfeita para a própria luta humana: a busca pela luz em meio à escuridão.
Essa jornada épica é povoada por personagens que se tornam parte da nossa família. Acompanhamos seus filhos, depois seus netos; vibramos com cada pequena vitória e sentimos o peso de cada perda. E os vilões… Ah, os vilões. Follett é mestre em criar figuras desprezíveis, como o sádico William Hamleigh, que amamos odiar. Eles são a personificação da ganância e da crueldade, o contraponto perfeito para a resiliência e a bondade de heróis como o Prior Philip e a destemida Aliena.
É por esse envolvimento tão profundo que a minissérie de TV, lançada anos atrás, foi uma decepão tão grande para mim. Foi como ver uma fotografia embaçada e sem alma de uma obra-prima. A complexidade dos personagens foi achatada, as tramas políticas e humanas foram simplificadas ao extremo, e a grandiosidade da catedral pareceu… pequena. Foi uma traição à essência da obra.
Então, se me permite um conselho de amigo: esqueça a adaptação. Mergulhe nas páginas. Follett retornou a Kingsbridge em outros livros, expandindo esse universo que tanto amamos. Inclusive, em 2021, eu compartilhei aqui no blog minhas impressões sobre “O Crepúsculo e a Aurora”, o livro que conta a origem de tudo, séculos antes da catedral dos nossos sonhos. Mesmo com essas ótimas adições à saga, para mim, nenhum livro alcança a majestade do original.
“Os Pilares da Terra” é mais do que um romance histórico. É um tijolo de quase mil páginas que, quando termina, deixa um silêncio, um vazio gostoso de quem se despediu de velhos amigos. É uma história monumental sobre a capacidade humana de criar algo belo e eterno, mesmo quando o mundo ao redor parece desmoronar. E essa, eu acho, é uma lição que vale a pena revisitar sempre.
Referências:
- Página oficial de Ken Follett sobre o livro
- Goodreads – The Pillars of the Earth
- Artigo sobre “A Anarquia” (Britannica)
- Minha resenha original para referência:
Resenha: Os Pilares da Terra – Um Soco no Estômago Disfarçado de Romance Histórico