Resenha: Reencontrando Gigantes – Por que “Os Pilares da Terra” Continua Essencial

Uma jornada inesquecível pela Idade Média de Ken Follett.

Capa de uma edição de luxo do livro "Os Pilares da Terra" de Ken Follett, deitada sobre outros manuscritos à luz de velas.

Uma representação da obra monumental de Ken Follett, que nos transporta diretamente para a Idade Média.

 Existe uma magia arriscada em voltar para um livro que te marcou profundamente. É como revisitar a casa da sua infância: as memórias são vívidas, mas você teme que o lugar tenha encolhido, que o encanto tenha se perdido com o tempo. Foi com esse misto de nostalgia e receio que peguei novamente “Os Pilares da Terra”, de Ken Follett, mais de uma década depois da nossa primeira jornada juntos. A pergunta que ecoava na minha mente era: a força daquela história ainda estaria lá?

A resposta veio logo nas primeiras páginas: sim, e talvez ainda mais potente.

A gente tende a romantizar o passado, não é mesmo? Mas Follett nos dá um choque de realidade. Ele nos transporta para a Inglaterra do século XII, um período conhecido como “A Anarquia”, uma guerra civil brutal pela coroa que dilacerou o país. E o autor não poupa o leitor. Lembro-me vividamente da primeira batalha de espadas narrada no livro. Não há nenhuma firula ou coreografia de cinema. O relato é seco, o aço morde a carne e o resultado é que um dos guerreiros simplesmente… perde o braço. É um impacto imediato que define o tom. Mas o realismo de Follett vai além da violência. Uma das coisas que achei mais notáveis é a forma como ele descreve os detalhes do cotidiano: das roupas, incluindo as peças íntimas e precárias que as mulheres usavam, até as comidas servidas nos banquetes e nas cidades pobres. A riqueza de detalhes era tanta que, por diversas vezes, me dava até fome só de ler. Esse nível de detalhe nos lembra que a Idade Média era um lugar de lama e sangue, sim, mas também de sabores, texturas e uma luta diária pela dignidade.

No coração dessa turbulência toda, um sonho floresce: a construção de uma catedral gótica em Kingsbridge. E aqui está a genialidade de Follett. A catedral não é apenas um cenário; ela é a personagem principal, o fio que conecta dezenas de vidas ao longo de décadas. Enquanto o mestre-construtor Tom sonha em erguer arcos que toquem os céus, vemos a própria arquitetura evoluir, saindo do estilo românico, mais pesado e sombrio, para o gótico, com suas janelas imensas que inundam o ambiente de luz. É uma metáfora perfeita para a própria luta humana: a busca pela luz em meio à escuridão.

Essa jornada épica é povoada por personagens que se tornam parte da nossa família. Acompanhamos seus filhos, depois seus netos; vibramos com cada pequena vitória e sentimos o peso de cada perda. E os vilões… Ah, os vilões. Follett é mestre em criar figuras desprezíveis, como o sádico William Hamleigh, que amamos odiar. Eles são a personificação da ganância e da crueldade, o contraponto perfeito para a resiliência e a bondade de heróis como o Prior Philip e a destemida Aliena.

É por esse envolvimento tão profundo que a minissérie de TV, lançada anos atrás, foi uma decepão tão grande para mim. Foi como ver uma fotografia embaçada e sem alma de uma obra-prima. A complexidade dos personagens foi achatada, as tramas políticas e humanas foram simplificadas ao extremo, e a grandiosidade da catedral pareceu… pequena. Foi uma traição à essência da obra.

Então, se me permite um conselho de amigo: esqueça a adaptação. Mergulhe nas páginas. Follett retornou a Kingsbridge em outros livros, expandindo esse universo que tanto amamos. Inclusive, em 2021, eu compartilhei aqui no blog minhas impressões sobre “O Crepúsculo e a Aurora”, o livro que conta a origem de tudo, séculos antes da catedral dos nossos sonhos. Mesmo com essas ótimas adições à saga, para mim, nenhum livro alcança a majestade do original.

“Os Pilares da Terra” é mais do que um romance histórico. É um tijolo de quase mil páginas que, quando termina, deixa um silêncio, um vazio gostoso de quem se despediu de velhos amigos. É uma história monumental sobre a capacidade humana de criar algo belo e eterno, mesmo quando o mundo ao redor parece desmoronar. E essa, eu acho, é uma lição que vale a pena revisitar sempre.

Referências:

Resenha: Os Pilares da Terra – Um Soco no Estômago Disfarçado de Romance Histórico

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