“Trabalhe com o que você ama e nunca mais precisará trabalhar na vida.”
Você já ouviu isso, né? Eu já perdi a conta. Essa frase é vendida como a fórmula mágica para a felicidade, o bilhete dourado para uma vida plena. Por anos, eu acreditei nela com todas as minhas forças. A meta era clara: encontrar aquela paixão avassaladora que faria o trabalho parecer um hobby eterno.
Mas a vida real, com seus boletos e segundas-feiras, me ensinou que a conta não fecha bem assim. Transformar um amor em obrigação é uma das formas mais rápidas de matar esse amor. Aquela atividade que era seu refúgio, sua válvula de escape, de repente ganha metas, prazos e a pressão de ter que dar lucro. A paixão vira produto, e a alegria, performance. É uma utopia perigosa, que nos faz sentir fracassados quando percebemos que até o emprego dos sonhos tem seus dias de puro tédio.
Afinal, vamos ser sinceros: até o Batman precisa limpar a Batcaverna e organizar as finanças da empresa Wayne. Nem toda tarefa é glamorosa.
E é aí que entra o “nem sempre” da história. A pequena verdade escondida no meio desse mito.
Com o tempo, percebi que a ideia não é que o trabalho se torne uma diversão ininterrupta. Isso é ilusão. O segredo, para mim, está no propósito. Não se trata de amar 100% das tarefas, mas de acreditar tão profundamente no resultado final que as partes chatas se tornam… suportáveis. Justificáveis.
Trabalhar com o que se ama não é sobre ausência de esforço, mas sobre a presença de significado. É saber que, apesar da burocracia, da planilha chata ou da reunião que poderia ter sido um e-mail, você está construindo algo que reflete quem você é. É a sua energia, sua criatividade, sua marca no mundo.
Não, o trabalho dos sonhos não vai te isentar do cansaço. Mas ele te dá um motivo para levantar da cama que vai além do salário no fim do mês. E, no fim do dia, ter um porquê já é mais da metade da batalha vencida. Não é uma utopia. É só uma forma mais honesta de fazer as pazes com a labuta nossa de cada dia.
Referências:
- Harvard Business Review Brasil: O artigo “O problema com o conselho ‘siga sua paixão'” explora como esse mantra pode ser prejudicial e limitar as opções de carreira, sugerindo abordagens alternativas focadas em contribuição e significado.
- MIT Sloan Review Brasil: Em “Encontre seu propósito sem colocar a paixão em primeiro lugar”, os autores argumentam que o propósito geralmente não é encontrado, mas sim cultivado através do trabalho, e que focar no impacto sobre os outros é uma fonte mais robusta de significado profissional.
- The New Yorker: O ensaio “In the Name of Love” da jornalista Miya Tokumitsu critica como o mantra “faça o que você ama” pode desvalorizar o trabalho que é feito por necessidade e não por paixão, criando uma nova forma de exploração velada.
- Link: https://www.newyorker.com/culture/jia-tolentino/in-the-name-of-love (Artigo de referência sobre o tema em inglês).
- Psicologia-Online: Artigos sobre psicologia organizacional frequentemente diferenciam “motivação intrínseca” (ligada ao propósito e autonomia) de “paixão”, mostrando que a primeira é um preditor mais forte de satisfação e bem-estar a longo prazo no trabalho.
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