Eu não sei vocês, mas eu ando com uma sensação constante de que estou perdendo uma corrida que nem me inscrevi para participar. A promessa era que a tecnologia, especialmente as novas IAs, viriam para nos libertar. A gente ia apertar um botão e, puff, mais tempo livre para se dedicar à arte, à filosofia, a olhar o teto. A realidade, no entanto, bateu na porta com um chicote: a gente não ganhou tempo, a gente ganhou mais demanda. A meta não é mais fazer o seu trabalho; é fazer o seu, o do colega que a IA substituiu e ainda atender às novas solicitações de uma direção que opera sob a falsa sensação de que, com o “ChatGPT”, tudo é possível e instantâneo. Tudo, claro, no mesmo expediente.
Sinto que estamos vivendo dentro de um roteiro maluco de Matrix. O sistema não quer que você seja o Neo, cheio de potencial e livre para dobrar a realidade. Ele te quer como um Agente Smith: eficiente, replicável, sem identidade, focado em perpetuar a lógica da máquina. E a máquina se alimenta de uma única coisa: produtividade.
Enquanto isso, uma legião de gurus de palco e coaches de Instagram continua vendendo o mesmo peixe podre: “trabalhe enquanto eles dormem”. Eles romantizam o burnout e chamam esgotamento de “garra”. Desculpa, mas engolir essa pílula em 2025? Não mais. Negar essa lógica que mede nosso valor em entregas por hora se tornou, para mim, uma das rebeldias mais urgentes e silenciosas do nosso tempo.
Desacelerar virou minha pequena revolução pessoal. Uma escolha quase política de lembrar que minha vida é mais do que uma lista de tarefas. E nessa jornada, tenho experimentado algumas táticas que, surpreendentemente, não envolvem se mudar para uma cabana no meio do mato. São pequenas âncoras para me manter são.
Aqui estão 8 maneiras realistas que encontrei para fazer menos e viver mais:
1. Agende o Nada
Isso mesmo. Eu pego minha agenda, seja a do Google ou um caderno, e crio um compromisso chamado “Nada”. É um bloco de tempo – 30 minutos, uma hora – onde a única regra é não ter regras. Não é para “otimizar o descanso”, é para sentar no sofá e encarar a parede se for o caso. Proteger esse espaço é tão importante quanto qualquer reunião.
2. Crie um “Ritual de Desligamento”
O trabalho remoto borrou as fronteiras entre o “eu profissional” e o “eu pijama”. Meu ritual é simples: ao fim do dia, fecho todas as abas do navegador, guardo o notebook na mochila, coloco um álbum para tocar e vou fazer um café. É um ato simbólico que diz ao meu cérebro: “Por hoje, chega. A máquina parou”.
3. Pratique a “Mono-Mídia”
A gente se acostumou a ouvir podcast enquanto responde e-mail, ver série enquanto rola o feed. Eu tenho me forçado a fazer uma coisa de cada vez. Se vou ver um filme, o celular fica em outro cômodo. Se vou ouvir música, eu só ouço música. Parece bobagem, mas a capacidade de focar em uma única fonte de prazer é restauradora.
4. Defina uma “Meta de Abandono”
Sabe aquele livro que você não está gostando? Aquela série que ficou chata na terceira temporada? Aquele projetinho pessoal que virou uma obrigação? Eu me dei a permissão de abandonar coisas. Uma vez por semana, eu conscientemente decido largar algo pela metade. E o alívio é gigantesco. Nem tudo precisa de um ponto final.
5. Terceirize Decisões Irrelevantes
A energia que a gente gasta decidindo coisas pequenas é um absurdo. “O que vamos jantar?”, “Qual filme vamos ver?”. Tenho adotado a filosofia do “você escolhe”. Para decisões de baixo impacto, eu simplesmente deixo outra pessoa decidir ou vou na primeira opção que aparece. Guardar a energia mental para o que realmente importa é libertador.
6. Dialogue com a Culpa
No início, descansar me dava uma ressaca moral terrível. A vozinha do Agente Smith soprava no meu ouvido: “Você podia estar produzindo”. Agora, eu converso com ela. Eu literalmente paro e penso: “Ok, culpa, eu te entendi. Mas o descanso é o que me torna humano, não uma máquina. É manutenção, não defeito”.
7. Comemore a Ineficiência
Vivemos no culto à eficiência. Meu ato de rebeldia? Fazer algo de forma propositalmente ineficiente. Ir a pé pelo caminho mais longo, escrever uma anotação à mão em vez de digitar, passar um café coado sem pressa alguma. É um lembrete de que a beleza da vida está muitas vezes no processo, não só no resultado otimizado.
8. Abandone um Hábito “Produtivo”
Eu tinha o hábito de checar e-mails e notícias assim que acordava, para “já começar o dia informado e produtivo”. Abandonei. Agora, os primeiros 30 minutos do meu dia são sem tela. É só eu, meu café e meus pensamentos. Começar o dia em meus próprios termos, e não nos termos que o mundo me impõe, mudou tudo.
No fim das contas, eu não quero ser um Agente Smith. Eu prefiro ser o cara que senta no banco da praça, apenas observando o mundo passar. Chega um ponto em que a gente percebe que o barulho de fora, a demanda por mais um gráfico e mais uma solução, está silenciando o que realmente importa aqui dentro. O ato revolucionário, então, passa a ser cultivar esse jardim interno, proteger o espaço para a mente divagar.
É uma questão de soberania pessoal. E a minha, eu decidi que não está mais à venda.
Referências:
- Burnout: A Secret to Unlocking the Stress Cycle (Livro de Emily e Amelia Nagoski)
- How to Do Nothing: Resisting the Attention Economy (Livro de Jenny Odell)
- Psicanalista sobre burnout: ‘Não é frescura, é o seu corpo dizendo que não aguenta mais’ – Saúde – Estadão
- Por que a Geração Z está dizendo não à ‘hustle culture’ (cultura da correria) – BBC News Brasil: Este artigo da BBC explora como as novas gerações estão rejeitando ativamente a mentalidade de “viver para trabalhar”, um dos pilares da nossa discussão.
- ‘Quiet Quitting’: The new front in the war for workers’ loyalty – University of Cambridge: A Universidade de Cambridge analisa o fenômeno do “quiet quitting” não como preguiça, mas como uma resposta direta ao esgotamento e à falta de limites, corroborando a ideia de “fazer menos” como uma atitude de autopreservação.
- The Importance of Doing Nothing – Psychology Today: Este texto da Psychology Today reforça, sob uma ótica psicológica, a necessidade de ter tempo ocioso para a criatividade, bem-estar e saúde mental, alinhado com as táticas de “agendar o nada”.
- Como a inteligência artificial pode aumentar a pressão no trabalho – The Guardian: O The Guardian discute exatamente o ponto que ajustamos: como a IA, em vez de aliviar, pode criar novas formas de vigilância e pressão por produtividade, validando a crítica inicial do artigo.
- Sobrecarga de informação e o cérebro: como a tecnologia afeta a saúde mental – Hospital Moinhos de Vento: Esta fonte de uma instituição de saúde brasileira detalha os impactos neurológicos da sobrecarga de informação e do uso constante de telas, justificando a necessidade dos “rituais de desligamento” e da “mono-mídia”.