Sabe quando a gente se sente meio que patinando no mesmo lugar? Preso em uma rotina, repetindo os mesmos pensamentos em loop, como um disco arranhado. A gente quer mudar, quer avançar, mas parece que tem uma parede invisível nos impedindo. Eu conheço bem essa sensação. E foi tentando entendê-la que esbarrei em um dos livros mais provocadores que li nos últimos tempos: “Liminal Thinking”, de Dave Gray.
O nome pode soar estranho, eu sei. “Liminar”? Quando vi o título, minha primeira reação foi pensar “lá vem mais um termo complicado da vez”. Mas a ideia é surpreendentemente simples e poderosa. “Liminar” tem a ver com estar na borda, na fronteira. É aquele espaço entre o que você é e o que você pode se tornar. Entre a crença que te aprisiona e a liberdade que você busca.
A grande sacada de Dave Gray, que me pegou de jeito, é a seguinte:
nós não vemos a realidade como ela é. Nós vemos a nossa versão dela
Uma versão filtrada e moldada por um conjunto de crenças que, na maioria das vezes, nem sabemos que temos.
É como no filme Matrix. Vivemos em uma simulação construída pelas nossas próprias convicções. Coisas que tomamos como verdades absolutas:
– eu não sou bom com números,
– não levo jeito para ser criativo,
– é tarde demais para mudar de carreira, etc
não são a realidade. São apenas linhas de código na nossa programação mental. O livro é, essencialmente, a pílula vermelha que o Morpheus nos oferece, o convite para acordar e enxergar o que existe além da nossa bolha.
O mapa não é o território
O autor defende que essas nossas crenças funcionam como um mapa. Um mapa é útil, claro, ele nos ajuda a navegar pela complexidade da vida. O problema é quando a gente esquece que o mapa é só uma representação, um modelo simplificado, e passa a acreditar que ele é o território real.
Essas crenças são sorrateiras. Elas se constroem a partir das nossas experiências, dos julgamentos que fazemos, das histórias que nos contamos. E, para se protegerem, elas criam uma lógica própria, uma bolha que nos mantém confortáveis e seguros. É por isso que é tão difícil mudar. Questionar uma crença profunda é como questionar a nossa própria identidade. É assustador.
Eu mesmo, por muito tempo na adolescência, carreguei a crença de que “não sou uma pessoa matinal”. Acordar cedo era uma tortura, um sofrimento diário. Eu tinha certeza disso. Era a minha “verdade”. Se eu tivesse lido o livro naquela época teria me perguntado:
“O que eu preciso acreditar para que isso seja verdade?”.
A resposta era que eu acreditava não ter energia de manhã, que meu corpo não funcionava bem cedo. Mas era só isso: uma crença. Hoje, essa “verdade” já é história.
Como furar a bolha?
Se a primeira parte do livro nos mostra a “Matrix”, a segunda nos entrega as ferramentas para hackeá-la. Dave Gray sugere algumas práticas, mas a que mais ressoou comigo foi a simplicidade de um exercício diário:
- Observe seus pensamentos repetitivos: Aquela vozinha que sempre diz a mesma coisa.
- Pergunte-se: “O que eu teria que acreditar para que esse pensamento fosse verdade?”
- Desafie essa crença: Ela é 100% verdadeira? Não existe nenhuma exceção?
- Substitua: Crie uma nova história, uma nova possibilidade.
Não se trata de pensamento positivo superficial, mas de uma arqueologia da mente. É cavar fundo para encontrar as fundações invisíveis que sustentam a nossa realidade. É entender que para mudar o mundo lá fora, primeiro a gente precisa estar disposto a reorganizar o nosso mundo aqui dentro.
“Liminal Thinking” ainda não tem uma versão em português, o que é uma pena. Mas, se você arranha no inglês, a leitura é um investimento transformador. Não é um livro de respostas prontas, e talvez seja até um pouco superficial em alguns pontos, sem mergulhar nos porquês mais profundos da psicologia humana. Mas ele cumpre o que promete: te entregar a chave da porta. Abrir ou não, e o que fazer do outro lado, ainda é com a gente. E que bom que é assim, não é mesmo? 😉
Referências: