Me Chamaram de Inescrupuloso. E Eu Quase Agradeci – A Pedra no Sapato da Sua Consciência

Entenda a origem da palavra e por que ser inescrupuloso nem sempre foi um xingamento.

Soldado romano agachado em uma estrada de terra, usando uma vareta para remover uma pequena pedra de sua sandália de couro, conhecida como caliga.

A metáfora perfeita do escrúpulo: a pequena pedra no sapato que nos força a parar e reavaliar o caminho. | Créditos: Reprodução.

Outro dia, uma pessoa virou pra mim e soltou no meio de uma conversa:

“Você não tem escrúpulos”.

Confesso que, na hora, o golpe acerta em cheio. É uma daquelas acusações que pesam, que fazem a gente se sentir meio vilão de novela, sabe? Por um momento, eu me senti mal, remoendo aquela palavra. Mas aí, me lembrei da história fascinante por trás dela, uma história que conheci há um tempo e que mudou completamente a minha perspectiva.

Depois que a gente descobre a etimologia da palavra “escrúpulo”, a ofensa quase vira um elogio.

Quer entender o porquê? Então, vem comigo nessa viagem até a Roma Antiga, que eu te mostro. Acredite, você nunca mais vai ouvir essa palavra da mesma forma.

A origem de “escrúpulo” vem do latim “scrupulus”, que significa, literalmente, “pedrinha pontiaguda”. E a imagem por trás disso é a chave de tudo.

 

O Dilema do Soldado e o Conforto do Poderoso

 

Vamos dar um zoom numa cena de mais de dois mil anos atrás.

Imagine um legionário romano. O sol, a poeira, o peso da armadura. E a cada passo, uma dorzinha aguda, insistente. Uma pedrinha ficou presa entre a sola de sua sandália e o pé, causando um desconforto constante. Naquele exato momento, ele tinha uma escolha dificílima: podia cerrar os dentes, suportar a dor e continuar marchando. Ou podia parar, ajoelhar, tirar a sandália e remover a pedra, mas correndo o risco de ser punido por “travar as tropas”.

Agora, corte a cena. Mude o foco.

Lá em cima, pela mesma estrada, viajam os senadores e os homens de poder, confortavelmente em seus cavalos ou carruagens. Eles não sentem o chão, não sentem a poeira, e certamente não têm seixos para suportar. Para eles, não existe esse incômodo. Sem pedras, sem dilemas. Sem escrúpulos.

Percebe a força disso? A ideia de que as pessoas no poder muitas vezes “não têm escrúpulos” nasce aqui: eles não sentem o incômodo moral que atrasa, que força a parar, que atormenta as pessoas comuns. Não ter escrúpulos, na sua origem, significava ser alguém tão privilegiado que nem sequer sentia a “pedrinha” da realidade no sapato.

 

A Vantagem de Não Sentir a Pedra

 

Essa imagem nos leva direto a Maquiavel. Em O Príncipe, ele basicamente aconselhou os governantes a aprenderem a “não ser bons”. Para ele, ser inescrupuloso era uma vantagem estratégica. Era a habilidade de se mover sem o atrito da ética na consciência.

Então, quando me acusam de não ter escrúpulos, eu penso: será que a pessoa está dizendo que eu sou como um senador romano, que não sente as dores do caminho? Ou que eu aprendi a não me deixar paralisar por pequenas pedras para poder continuar minha marcha? A interpretação muda completamente.

 

A Batalha dos Filósofos: Fardo ou Bússola?

 

Claro, com o tempo, “ter escrúpulos” virou sinônimo de sensibilidade moral. Para Immanuel Kant, essa pedrinha seria a nossa “razão prática” nos lembrando da dignidade dos outros. É o famoso “com grandes poderes, vêm grandes responsabilidades” que o Tio Ben ensinou ao Homem-Aranha.

Mas, para complicar, Friedrich Nietzsche poderia argumentar o contrário: que o escrúpulo em excesso é uma “moral de rebanho”, um fardo que nos impede de sermos grandiosos.

 

Então, qual é a conclusão?

 

Hoje, eu entendo que a questão não é tão simples. Talvez ser acusado de “não ter escrúpulos” signifique que você é alguém que não se deixa paralisar por dilemas que outros consideram intransponíveis. Que você aprendeu a marchar, mesmo com o desconforto, focado no seu objetivo.

Aqueles que não têm escrúpulos se movem com rapidez. Às vezes, isso pode gerar danos, mas outras vezes, é o que permite que as coisas sejam feitas.

No fim das contas, eu escolho olhar para a “pedrinha” não como um sinal de falha moral, mas como um lembrete. Um lembrete de que toda caminhada tem seus desconfortos e que a verdadeira sabedoria está em saber quando parar para tirar a pedra e quando é preciso aprender a marchar com ela. 😉

 

Referências:

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