Sabe aqueles momentos em que você está distraído e a mente começa a divagar? Eu estava indo ao Barra Shopping, no Rio de Janeiro, e, aproveitando que o carro praticamente se dirige sozinho, estava perdido em meus pensamentos.
Depois de estacionar e caminhar por aquele estacionamento enorme, fui tomado por uma dúvida extremamente aleatória: Qual era mesmo o nome daquela menina com cara de personagem de anime que atuava como antagonista em uma novela da Rede Record chamada “Os Mutantes: Caminhos do Coração”, que foi ao ar em 2008? Na época o personagem dela se parecia muito com a atriz americana Tiffani Thiessen. Eu lembrava do nome dela na novela, Górgona Mayer (mais conhecida como Gór), mas o nome real dela estava “na ponta da língua”, e a resposta não vinha à minha mente.
Involuntariamente, minha mão já foi mergulhando no bolso da bermuda (sim, nós aqui do Rio de Janeiro vamos ao shopping de bermuda), pois era só perguntar ao Chat GPT para resolver meu problema. Antes de usar a ferramenta, uma coisa me veio à mente que me fez achar melhor não usar o aparelho desta vez: por que, pelo menos uma vez no dia, não posso desafiar meu cérebro e tentar por mim mesmo resgatar a memória perdida?
Por conta da minha hiperatividade (hoje em dia, com o aumento da velocidade da vida, todos nós somos hiperativos em algum grau) e por estar há um tempo treinando atenção plena (Mindfulness), eu estava ansioso para que mais cedo ou mais tarde o nome da atriz surgisse na minha mente acelerada.
Sério… Hoje em dia estamos substituindo nossa mente por ferramentas. Palavras, nomes, lugares, distrações, tudo isso nos é provido pelo smartphone, e nosso cérebro está começando a cair em desuso. O acesso à informação é extremamente fácil, e com o uso das inteligências artificiais, a própria informação, que antigamente nos vinha em forma de artigo e que deveria ser interpretada (blogs, Wikipédia, Google, fóruns), já vem humanizada, personalizada, resumida e adaptada para nossos gostos, retirando de nossa cabeça a atualmente difícil tarefa de pensar.
Até mesmo para chegar ao shopping, as redes sociais, especificamente o aplicativo de GPS colaborativo, escolheram o melhor caminho, pagaram meu ticket de estacionamento, encontraram a vaga e estacionaram o carro. Se não fosse a legislação brasileira que, em 2024, ainda não permite carros de direção autônoma, eu poderia vir dormindo no banco do motorista.
Lutando contra a modernidade e apostando em meu próprio sistema operacional biológico, forcei bastante a mente para, de alguma forma, chegar a essa informação. Eu sou um homem que nasceu entre o fim da geração X e o início da Y. Um típico X-Men, como eu mesmo me apelido, e minha geração pegou o fim da era analógica e o início da internet. Em minha adolescência, não tínhamos esses recursos disponíveis hoje, usávamos agendas de papel para listar os números de telefone, gravávamos na cabeça os números de celulares de nossos amigos (hoje em dia, não guardo nem o meu), pesquisávamos em bibliotecas e enciclopédias e, pela falta de acessibilidade a esses recursos, éramos obrigados a usar a mente.
Houve um tempo em que não era possível recorrer ao Google para cada esquecimento, mas uma coisa é usar um motor de busca para aprender algo novo; outra completamente diferente é depender do Google como substituto do próprio cérebro para pequenas tarefas. Uma coisa é usar o Bard para buscar inspiração para escrever um texto, traduzir alguma passagem em uma língua desconhecida ou passar nosso produto na ferramenta para verificar o uso correto da gramática; outra é mandar o Chat GPT realizar a criação total do texto.
O objetivo sadio dessas ferramentas é liberar nossa mente da tarefa de realizar operações que podem ser automatizadas e nos permitir usar a cabeça para sermos mais criativos. Elas liberam o advogado de ter que decorar legislações e gastar horas criando um processo e dias pesquisando jurisprudências, permitindo que ele foque sua mente na resolução do problema; permitem que o programador não passe dias buscando um problema de lógica ou perca tempo repetindo códigos básicos e consiga pensar de uma forma global, criando algo novo para resolver antigos problemas.
Meu objetivo com este texto não é que meu leitor abandone a tecnologia e volte a usar a máquina de escrever para redigir suas cartas. O que sugiro é um uso mais racional da tecnologia e que use mais a sua cabeça, evitando a preguiça mental. Num futuro, vocês vão precisar muito desse tipo de atividade, pois, da mesma forma que a musculatura se desenvolve com exercícios, a mente se mantém jovem e afiada com seu uso constante. Não é à toa que a melhor dica para prevenir o Alzheimer é manter a mente ativa estudando, lendo, pensando, fazendo exercícios de aritmética e jogos inteligentes.
E para finalizar o texto, após um tempo caminhando e apreciando as vitrines, cheguei a uma loja onde vi um pequeno action figure da personagem Rinoa Heartilly (jogo Final Fantasy), e pela associação finalmente veio o nome da atriz que eu estava procurando: Julianne Trevisol.
Obs: Não sei como ela está hoje, 16 anos após o fim da novela. Essas atrizes estão sempre se reinventando e mudando o rumo de suas carreiras. Se ela ainda estiver na ativa, um beijo.